terça-feira, 4 de dezembro de 2018

chegaram as máquinas - Al Berto


chegaram as máquinas*


chegaram as máquinas para talhar a cidade que vem
das águas cresce a obra do homem, ouve-se um lento grito d'espuma e
suor
na memória ficaram os sinais dos bosques ceifados, as dunas desfeitas e algumas casas abandonadas
estenderam-se tubos prateados, onde escorre o negro líquido
levantaram-se imensas chaminés, serpenteiam autoestradas na paisagem
irreconhecível do teu rosto

 
onde estarão as tâmaras maduras de tuas palmeiras?
e o perfume intenso das flores debruçando-se ao sol ?
que murmúrios terão as pedras do teu silêncio?

 
a memória é hoje uma ferida onde lateja a Pedra do Homem, hirta como uma sombra num sonho
e as aves? frágeis quando aperta a tempestade... migraram como eu?
aonde caminhas, doce Moura Encantada?

 
oiço o ciciar dos canaviais do sono, adivinho teu caminhar de beijos no rumor das águas
tuas mãos de neve recolhem conchas, estrelas secretas, luas incendiadas... que o mar esconde na respiração das marés

 
estremecem-se nas mãos os insetos cortantes do medo, em meu peito doído ergue-se esta raiva dos mares-de-leva






* Sines

Sem comentários: