O BANQUETE
A Ferreira Gullar
Entre mesuras, talheres e finezas,
um garçom serve a morte sobre a
mesa.
"Quente ou fria?"
indaga-me sereno,
e seu olhar tem a doçura de um veneno.
e seu olhar tem a doçura de um veneno.
"Para o começo, o que quer?
A que matou o guarda? Frango à la
bière7.
A massa, se preferir algo bem
quente,
vai logo arder, em caldeirão, al dente.
vai logo arder, em caldeirão, al dente.
Como planeja arrematar a refeição?
Numa bala? Presunto com melão?
Numa bala? Presunto com melão?
Caso queira coisa rápida e gelada,
sugiro uma fina fatia do nada."
sugiro uma fina fatia do nada."
E num gesto incisivo e severo
— como se marca um boi a ferro —
adoçou a insípida vida:
pôs no prato O prazer do suicida.
pôs no prato O prazer do suicida.
Pensar na morte é provar o
necessário
destempero entre patrão e operário:
destempero entre patrão e operário:
um deseja macarronada à mesa,
outro inclui até o vento na despesa.
Ela morte nos expulsa porta a fora:
o contrato já passou da hora.
o contrato já passou da hora.
E como nada tenho que lhe apeteça
não me concede aumento ou hora extra.
não me concede aumento ou hora extra.
0 garçom mal anota o que lhe digo:
tudo que peço vai entrando no olvido.
tudo que peço vai entrando no olvido.
Ao contemplar a carteira magra e
preta,
com 10% da voz insinua uma gorjeta.
com 10% da voz insinua uma gorjeta.
Faço agora o meu pedido?
Não morrer: desnascer — nunca ter sido.
Não morrer: desnascer — nunca ter sido.
Apagar de mim a memória inteira,
regressar à árvore de que fui cadeira,
sentir um bico de bem-te-vi esfomeado,
mas jamais mofar no almoxarifado.
mas jamais mofar no almoxarifado.
Assim de modo bem pouco alto-falante
a vida se esgarçaria como a ponta de um barbante.
a vida se esgarçaria como a ponta de um barbante.
Acabar então, canoa seca sem direito
a porto.
E partir de mim, confortavelmente morto.
E partir de mim, confortavelmente morto.
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