A MAIS ALTA TORRE
Sobre si mesmo,
movendo-se, o mundo
voltou-se para
o outro lado.
E tu?
Viras-te para
o lado de onde
vem, segundo ouves,
o seu
ruído concentrado
na luz --- Cego;
ou como se o estivesses já
--- imaginavas o som
das letras;
tacteavas a máquina do canto;
perdias-te no labirinto
dos ecos.
Cego, mas tens
as mãos e elas
uma memória
por fazer. As mãos
lembram-se: recordam o coração.
Repetes, recapitulas, recuperas esse gesto antigo:
Estender as mãos em frente ---
não para a memória mas para a vida,
não para um sonho mas para a invenção
num gesto
ou numa teia
de gestos quase
automáticos,
[quase pensativos;
Ver pelas mãos o halo da lua que alucina ---
Poisar as mãos na madeira
da mesa ou
na pedra
do parapeito ou
no pescoço alto
por onde subia o canto
---
E de súbito há uma coisa que descobres
onde a não esperavas: quando
escrevendo o «Soneto»
de Cantata ele calculava o peso
que deveriam ter
as palavras
para poderem voar;
quando o poema era levantar a torre
do meu canto
e recriar o mundo pedra a pedra
ter-lhe-ia
falado tão
próximo, tão estranho e
tão íntimo, o eco só que fosse
daquela
Canção da mais alta torre
daquele que
por delicadeza
a vida perdera.
Tanto quanto podes saber não da memória
acordada vinha
esse eco,
embora ele
o pudesse
mas antes o duplo acorde seria
de tão
diferentes naturezas
que o espanto
nos reúne e nos enlaça nesta praia.
Sim.
Tu apenas tinhas
estendido as mãos
e entre
elas esse
impossível espelho
abrir-se-ia, Sim,
para duplicar a música
sem ser o seu eco;
Viras-te para o lado em que o mundo vem:
--- Como
se estivesses cego ---; alguém pelo menos
o estava e um
cão no sonho
ladrava
a um
outro alguém
que se achava perdido
no canto
e sob um
arco ao fim
da rua,
então, cantava.
O fim dessa rua era uma outra que nos cedia a
luz
[--- a imagem ---
a ilusão
do dia e do canto;
--- nosso, era
apenas o cão
e ladrava à noite,
à lua e aos astros.
--- Estendes as mãos
para as poisares
na madeira
da mesa, na pedra
do parapeito
ou para rodearem o pescoço
alto: a alta
torre
[do canto
Tudo poderia então agora talvez recomeçar
É como se a mesa desde sempre ali
estivesse; pronta
para sobre ela assinares
as tuas últimas vontades;
e a janela permitisse
distinguir visível e invisível.
É como
se a janela, súbita,
se tivesse aberto
sobre a mesa clara e entre si
trocassem as formas e
as figuras
que nas estantes
do ar dançavam;
as imagens
daquele mundo que
as mãos desenham
e escutam por
letras e por
música.
É como
se as mãos subissem o canto longínquo
que em ti se transforma nas vozes
sobrepostas
das mais
mínimas, das mais
enigmáticas coisas
desta terra, onde uma vez
nascidos,
como o breve fogo azul passando a cinza,
nascendo, morrêssemos.
(A Terceira Mão)
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