sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Ignição - António Osório


Ignição

Meus versos, desejo-vos na rua,

nas padiolas, pelo chão, encardidos

como quem ganha com eles a vida,

e o papel vá escurecendo ao sol,

a chuva o manche, a capa

ganhe dedadas, a companhia

aderente de um insecto,

as palavras se humildem mais

e chegue a sua vez de comoverem alguém

que compre, um faminto ajudando.


Meus versos, desejo-vos nas bibliotecas

itinerantes, gostaríeis de viajar

por aldeias, praias, escolas primárias,

despertar o rápido olhar das crianças,

estar nas suas mãos

completamente indefeso

e, sobretudo, que não vos compreendam.

Oxalá escrevam, risquem, atirem no recreio

umas às outras como pélas os livros

e sonhem, se possível, com algum verso

que súbito se esgueire pela sua alma


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