Teoria da narrativa familiar.
Naquele tempo o meu pai trabalhava
por turnos
como herói socialista
no sector siderúrgico
e dormia com a minha mãe.
A minha mãe esfregava
a sarja encardida:
a água ficava da cor da ferrugem.
Havia, por perto, um cão
esgalgado,
sempre a rondar.
Depois, a minha irmã nasceu
e eu fui obrigado
a rever a minha mitologia privada do caos.
Entre uma coisa e outra
aprendi a mentir.
E isso, não sei se sabem, mudou tudo.
por turnos
como herói socialista
no sector siderúrgico
e dormia com a minha mãe.
A minha mãe esfregava
a sarja encardida:
a água ficava da cor da ferrugem.
Havia, por perto, um cão
esgalgado,
sempre a rondar.
Depois, a minha irmã nasceu
e eu fui obrigado
a rever a minha mitologia privada do caos.
Entre uma coisa e outra
aprendi a mentir.
E isso, não sei se sabem, mudou tudo.
Luís Filipe Parrado
Luís Filipe
Parrado
Entre a carne e o osso, Língua Morta, Lisboa, 2012.
Entre a carne e o osso, Língua Morta, Lisboa, 2012.
LUÍS FILIPE PARRADO
nasceu no Seixal em 1968. É professor do ensino secundário. Acaba de publicar
um excelente primeiro livro de poemas, “Entre a carne e o osso”, na
editora Língua Morta, de Lisboa. Trata-se de um surpreendente livro de poesia
contemporânea, que percorre em tom biográfico e confessional, as primeiras
décadas do autor, através da construção de uma personna literária que
nos fala de dentro da vida, de dentro dos dias, com o distanciamento,
porém, suficiente para evitar o derramamento lírico. A ironia, o uso da
sinédoque e da metonímia, algum humor, servidos por entre um lírismo
áspero, seco, contido, bem como um certo tom disfórico e desiludido na
conclusão dos poemas são as principais armas de que o poeta se serve para dar
corpo a uma original poesia figurativa que faz a transição, na perfeição, entre
a lírica portuguesa surgida nos anos 90 e a poesia mais recente, surgida depois
de 2000, quer pelos temas que escolhe (o espaço da família e
da cidade, as coisas enquanto naturezas-mortas, enquanto objectos
solitários), quer pelo tom terno mas dorido, desencantado mas indesistente. Um
hino à tradição, ao ofício, à originalidade.
1 comentário:
gostei mesmo desta teoria familiar - igual a tantas outras!
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