Estupro, ou Natal-42
Estupro, ou Natal-42
Da passagem da aurora
vem uma noite dizendo
que alguém
resiste à coragem da vida.
E a noite supõe que
só alguém
resiste.
A noite desce, não
pode saber que
são muitos
que resistem todos
por qualquer
canto do ser,
mesmo quem
finge, mesmo quem
não finge
e sofre solitário por
saber da força,
a força teima
dentro quando
se fareja,
ó noite, a resistência
invade o coração do mundo,
terra não
lavrada, terra que
ficou incólume
do sangue dos justos,
das lágrimas das mães
e das mulheres que
quiseram ser mães
sem que
qualquer homem
lhes servisse
e das que não
serviram para nenhum
homem
e dos homens virgens
porque o tempo
urgia,
terra que
ficou incólume
como se houvesse mais
que duas mãos
para a esconder do orvalho!
Não, não querem que
as palavras tristes
a humedeçam; querem reservá-la
para fins
ocultos, para bruxarias,
para bonecos
de barro de que
fala a Bíblia,
muitas estátuas com
rostos de empréstimo,
rostos roubados a quem
sofreu pela esperança
e morreu lutando contra uma membrana ténue
entretecida pelo tear
do medo.
Querem-te virgem, terra, para
violações sangrentas,
e não consentem que
sejas amada pela
teimosia de estrelas
com que
o Universo fecunda
triunfante
o véu mísero
e obscuro que,
até tu
sem querer,
estendes, quando planeta,
sobre o firmamento.
28/12/1942
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