quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Soneto da loucura - Carlos Drummond de Andrade

 

 

I  Soneto da loucura

 

A minha casa pobre é rica de quimera

e se vou sem destino a trovejar espantos,

meu nome há de romper as mais nevoentas eras

tal qual Pentapolim, o rei dos Garamantas.

 

Rola em minha cabeça o tropel de batalhas

jamais vistas no chão ou no mar ou no inferno.

Se da escura cozinha escapa o cheiro de alho,

o que nele recolho é o olor da glória eterna.

 

Donzelas a salvar, há milhares na Terra

e eu parto e meu rocim, corisco, espada, grito,

torto endireitando, herói de seda e ferro,

 

E não durmo, abrasado, e janto apenas nuvens,

na férvida obsessão de que enfim a bendita

Idade de Ouro e Sol baixe lá nas alturas.

 

Carlos Drummond de Andrade


Cândido Portinari pintou, em 1956, uma série de 21 gravuras, focalizando dois personagens da literatura universal: Dom Quixote e Sancho Pança, da obra "Dom Quixote" de Miguel de Cervantes.  

Carlos Drummond de Andrade, em 1972, escreveu um livreto com 21 poemas, referente às gravuras do amigo pintor. Publicou-o com o título "Quixote e Sancho, de Portinari" em "As Impurezas do Branco" de 1973.

Sem comentários: