quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

O ÓDIO − MATHIEU KASSOWITZ (1995) - José Miguel Silva


O ÓDIO − MATHIEU KASSOWITZ (1995)


Os adolescentes armados da Libéria e da Serra Leoa
não sabem quem lhes pôs um gatilho na vida.
Eu faço uma ideia, mas não digo nada. Prefiro
comprar em DVD O Bom, o Mau e o Vilão.

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As mortes de urânio enriquecido que disparamos na Sérvia são fabricadas pela Boeing e pela General Motors. Mas eu gosto de ir a Londres, a Paris, a Nova Iorque, e o meu automóvel é bastante fiável.

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É verdade que não voto no bloco liberal, mas nem por isso sou menos culpado pelo íntimo holocausto dos vitelos sociais. Basta ver as sapatilhas que ofereci ao meu sobrinho no Natal.

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Não fui eu que negociei com o régulo o despejo de resíduos tóxicos no mar da Somália, é verdade. No entanto, tenho luz em casa, água quente, combustível... e sexta-feira à tarde lá vou eu com a Joana para o Alto Douro.

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O sofrimento dos outros, enfim, é relativo. Não vale a pena, só por isso, interromper o sol. A mim, pessoalmente, nada me dói: tenho para livros, discos, preservativos, e a vida que levo convém-me lindamente. Aprecio sobretudo, e cada vez mais, as quietas florações da vida interior, a doméstica lida. Mas não vou dizer que não sei onde fica a Chechénia ou o Bairro do Cerco. Nisto sou como tu, leitor: custa-me ver, de manhã, o meu sorriso ao espelho.

 

José Miguel Silva

 

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