5ª canção
Ó sonho acontecido e decisivo!
Ó frio tempo de terror, ó duro
Ofício de manchar de sangue vivo
As esquinas de pedra onde o futuro
Se conjuga no modo imperativo!
Recusa a face, solidão errada!
Ébrio de esperança e juventude assomas
- Ó coração da pátria, minha amada! –
Ao meu olhar, por entre riso e aromas
De mirto e rosa-chá desabrochada.
Neste ano de 1962
primeiro de maio
ao começo da noite
podemos finalmente olhar no espelho a nossa muda imagem
sem temor nem vergonha
Na solidão do quarto, meu Amor
podemos pela primeira vez
deixar de recear futuros julgamentos
e as perguntas silenciosas nos olhos dos vindouros
esquecer a humilhação, o insulto sem resposta
que foi o nosso pão quotidiano e áspero
Agora poderemos ser de novo homens
livres, ainda que presos
mastigando a comida sem o sabor a lágrimas
antes com o sal da esperança
merecido tempero, paga justa da luta
Renegamos o passado maculado de angústias
esquecemos as pequenas diárias covardias
os negócios onde tudo se perde e até a honra
Neste primeiro de Maio de 1962
podemos finalmente sorrir sem amargura
Daniel Filipe
in Pátria, lugar de exílio, pp.13-35, Editorial Presença, 1974.
Longo poema de Daniel Filipe (1925-1964; poeta e jornalista nascido em Cabo Verde) e que remete para o 1º de Maio de 1962, dia muito importante na luta antifascista em Portugal.
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