sexta-feira, 22 de abril de 2022

POEMA DE UM ANO - Orlando Neves

 

POEMA DE UM ANO

 

Já nada invento. Povo na língua

alguns sabores em que acreditei. Na

metade da garganta esta palavra

saudei. Vieram búzios e cravos da

 

distante solidão em que viajava

a dor que hoje espanta. Se dormia,

a quem alugava o sono? Vermelha,

a pausa canta. E, nesta simetria,

 

esqueço a abelha mestra (que a

escrava sofre seu dono para

viva lutar). De resistir ela foi feita

e a festa é neste lado que está.

 

Não posso esquecer o ódio, a fúria.

Aqui não morre a angústia

por dizer. Ergo subtil a nossa calma.

Vamos roer em abril a primavera.

 

Camponês, a força é a tua lua,

perto. Operário, a alma é a arma

que não espera. No deserto e na raiva

a tua mão é a pedra da vitória.

 

Grave, o silêncio morreu se agora

a memória for o charco – e o dia

o junco. Divide com a paz e a lâmina

a geometria inerte da terra.

 

Breve, a pátria é o teu idioma,

flor sem guerra, ar sem gás – e a chama

a rosa. Domina com o braço e a régua

a área da nave, o âmbito da máquina.

 

Já nada invento. Em abril quem ama

canta quem no vento caiba.

E saiba o rio, a pedra, o fogo, a palavra,

que nesta louvação louvo meu povo.

 

Abril de 1974

Orlando Neves

 

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