quinta-feira, 15 de junho de 2023

Solilóquio de Nina Simone

 

Solilóquio de Nina Simone

Habitou-me um deus espesso.

Sangue cor de fígado.

Veneno talhado, macerado e amargoso.

Fez morada em cada célula.

Nos alvéolos, nas entranhas, sob as unhas.

Expande a veia do pescoço.

Sangra pelas gengivas.

Lateja nas têmporas e nos pulsos.

Planta arrancada da terra africana,

deita suas raízes fundas de baobá

e traz gosto de lama à boca.

Tem sabor atávico a relembrar

o lodo de que se originou o homem.

Habitou-me um deus exigente,

que me fere e exaspera.

Que espezinha o que eu era.

Que fala o que eu não pensara

e, dizendo-me ao contrário,

faz-me gostar do calvário

que, às cegas, eu criei.

Nomeio que não tem nome:

Raio de Iansã, trovão, ciclone,

Sopro de Orixá, c´est moi

 

Nina Simone.

 

“Eu podia cantar para ajudar meu povo e isso se tornou o principal esteio da minha vida. Nem o piano clássico, nem a música clássica, nem mesmo a música popular, mas a música dos direitos civis.” – Nina Simone

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