Lapinha
Quando éramos pobres e eu
menina
era assim o Natal em nossa
casa:
quatro semanas antes
a palavra advento sitiava-nos,
domingo após domingo.
Comeríamos melhor naquele dia,
seríamos pouco usuais:
vinho, doces, paciência.
Porque o menino estremecia no
feno
e nos compadecíamos de Deus até
as lágrimas.
Olhando a manjedoura, o que eu
sentia
– sem arrimo de palavras
–
era o que eu sinto ainda:
‘O desejo de esbeltez será
concretizado.’
À luz que não tolera excessos,
o musgo, a areia, a palha
cintilavam,
a pedra. Eu cintilava.
A Serenata
Uma noite de lua pálida e
gerânios
ele virá com a boca e mão
incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu
desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como
sangue e veias
descubro que estou chorando
todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo
que vem,
de que modo vou chegar ao
balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão
os mesmos
– só a mulher entre as coisas
envelhece.
De que modo vou abrir a janela,
se não for doida?
Como a fecharei se não for
santa?