quinta-feira, 16 de março de 2017

Gritar - Paul Eluard


Gritar

Aqui a acção simplifica-se
Derrubei a paisagem inexplicável da mentira
Derrubei os gestos sem luz e os dias impotentes
Lancei por terra os propósitos lidos e ouvidos
Ponho-me a gritar
Todos falavam demasiado baixo falavam e
                                                             [escreviam
Demasiado baixo

Fiz retroceder os limites do grito

A acção simplifica-se

Porque eu arrebato à morte essa visão da vida
Que lhe destinava um lugar perante mim

Com um grito

Tantas coisas desapareceram
Que nunca mais voltará a desaparecer
Nada do que merece viver

Estou perfeitamente seguro agora que o Verão
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trémulos de tão semelhantes serem

E o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegria

E esse fogo nu que me pesa
Torna a minha força suave e dura

Eis aqui a amadurecer um fruto
Ardendo de frio orvalhado de suor
Eis aqui o lugar generoso
Onde só dormem os que sonham
O tempo está bom gritemos com mais força
Para que os sonhadores durmam melhor
Envoltos em palavras
Que põem o bom tempo nos meus olhos

Estou seguro de que a todo o momento
Filha e avó dos meus amores
Da minha esperança
A felicidade jorra do meu grito

Para a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.

Paul Eluard, in "Algumas das Palavras"
Tradução de
António Ramos Rosa

 

CRIER
Ici l’action se simplifie
J’ai renversé le paysage inexplicable du mensonge
J’ai renversé les gestes sans lumière et les jours impuissants
J’ai par-dessus terre jeté les propos lus et entendus
Je me mets à crier
Chacun parlait trop bas et écrivait
Trop bas

J’ai reculé les limites du cri
L’action se simplifie
Car j’enlève à la mort cette vue sur la vie
Qui lui donnait sa place devant moi

D’un cri
Tant de choses ont disparu
Que rien jamais ne disparaîtra plus
De ce qui mérite de vivre

Je suis bien sûr maintenant que l’été
Chante sous les portes froides
Sous des armures opposées
Les saisons brûlent dans mon cœur
Les saisons les hommes leurs astres
Tout tremblants d’être si semblables

Et mon cri nu monte une marche
De l’immense escalier de joie

Et ce feu nu qui m’alourdit
Me rend ma force douce et dure

Ainsi voici mûrir un fruit
Brûlant de froid givré de sueur
Voici la place généreuse
Où ne dorment que les rêveurs
Le temps est beau crions plus fort
Pour que les rêveurs dorment mieux
Enveloppés dans des paroles
Qui font le beau temps dans mes yeux

Je suis bien sûr qu’à tout moment
Aïeul et fils de mes amours
De mon espoir
Le bonheur jaillit de mon cri

Pour la recherche la plus haute
Un cri dont le mien soit l’écho.

Paul Eluard (1940)



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