sábado, 13 de julho de 2019

Lisboa - Gomes Leal


Lisboa

Decerto, capital alguma n'este mundo
Tem mais alegre sol e o céu mais cavo e fundo,
Mais colinas azuis, rio d'aguas mais mansas,
Mais tristes procissões, mais pálidas crianças,
Mais graves catedrais - e ruas, onde a esteira
Seja em tardes d'estio a flor de laranjeira!

A Cidade é formosa e esbelta de manhã! -
É mais alegre então, mais límpida, mais sã;
Com certo ar virginal ostenta suas graças,
Há vida, confusão, murmúrios pelas praças;
- E, às vezes, em roupão, uma violeta bela
Vem regar o craveiro e assoma na janela.

A Cidade é beata - e, às lúcidas estrelas,
O Vicio à noite sai às ruas e às vielas,
Sorrindo a perseguir burgueses e estrangeiros;
E à triste e dúbia luz dos baços candeeiros,
- Em bairros sepulcrais, onde se dão facadas -
Corre às vezes o sangue e o vinho nas calçadas!

As mulheres são vãs; mas altas e morenas,
D'olhos cheios de luz, nervosas e serenas,
Ébrias de devoções, relendo as suas Horas;
- Outras fortes, cruéis, os olhos cor d'amoras,
Os lábios sensuais, cabelos bons, compridos...
- E às vezes, por enfado, enganam os maridos!

Os burgueses banais são gordos, chãos, contentes,
Amantes de Cupido, avaros, indolentes,
Graves nas procissões, nas festas e nos lutos,
Bastante sensuais, bastante dissolutos;
Mas humildes cristãos! - e, em lúgubres momentos,
Tendo, ainda, cruéis saudades dos conventos!

E assim ela se apraz n'um sono vegetal,
Contraria ao Pensamento e hostil ao Ideal! -
- Mas mau grado assim ser cruel, avara, dura,
Como Nero também dá concertos á lua,
E, em noites de verão quando o luar consola,
Põe ao peito a guitarra e a lírica viola.

No entanto a sua vida é quase intermitente,
Afunda-se na inação, feliz, gorda, contente;
Adora inda as ações dos seus navegadores
Velhos heróis do mar; detesta os pensadores;
Faz guerra a Vida, à Ação, ao Ideal - e ao cabo
É talvez a melhor amiga do Diabo!

Gomes Leal

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