A
Dai-nos,
A
Dai-nos
A
Erguei o
Dai-nos
A
Fazei
Dai-nos a
Dai-nos a
Dai-nos a
Dai-nos
A
Sophia de Mello Breyner Andresen
A
Dai-nos,
A
Dai-nos
A
Erguei o
Dai-nos
A
Fazei
Dai-nos a
Dai-nos a
Dai-nos a
Dai-nos
A
Sophia de Mello Breyner Andresen
(desenho de Fernão Campos)
Dedico este livro às pessoas
comuns
As pessoas são comuns quando já não
querem ser outras.
As pessoas comuns só querem que não as
chateiem e mais nada.
As pessoas comuns não esperam a
esperança.
Ela espera sempre e nunca é esperada,
Ela faz-se adulta mas é sempre criança,
Ela é maior mas é sempre pequena,
Ela é amante antes de ser amada,
Ela é oficial e age como ordenança,
Ela é profissional e pagam-lhe como
amadora,
Ela é mestre e ouve como discente,
Ela é doutora e tratam-na como
paciente,
Ela é mãe sem deixar de ser filha.
Ele nunca é observador é sempre observado,
Ele nunca é escritor é sempre leitor,
Ele é o ator que atua na plateia.
Ele queria ser flor e foi sempre mato,
Ele queria ser poema e não passou de letra,
Ele não conseguiu ser fadista nem letra de fado,
Ele queria ser marinheiro e foi faroleiro,
Ele queria ser pastor e foi sempre ovelha,
Ele queria ser dono e foi sempre um animal,
Ele queria ser agricultor mas limitou-se a comer,
Ele nunca tratou da vinha e não lhe faltou de beber,
Ele queria ser eleito e foi sempre eleitor,
Ele queria um mundo melhor mas…
Ele queria ser outro e foi ele mesmo,
Ele queria ser rico e foi sempre
pobre,
Ele queria ser história e só teve
nome,
Ele queria ser herói e é
Ao meu herói:
O homem comum
Ele foi sempre limpo e não passou de
porco,
Ele queria ser lúcido e foi sempre
louco,
Ele queria ser muito e foi sempre
pouco,
Ele sonhava o futuro e só teve o
presente,
Ele queria viver para sempre e morreu,
Comumente
- Que é isso de vencer na vida, ó vós
incomuns!?
Luis Neves
Meu poema
eu tenho 25 anos
mulher negra poeta
escrevi um poema perguntando
preto você pode matar?
se eles me matarem
isso não vai parar
a revolução
eu fui roubada
me parece que eles sabiam
que eu ia ser atingida
eles levaram minha tv
meus dois anéis
minha pintura africana
e minhas duas armas
se eles tirarem minha vida
isso não vai parar
a revolução
meu telefone está grampeado
meu e-mail está aberto
eles me colocaram contra
todas as minhas velhas amizades
e contra todos os meus novos amantes
se eu odiar todas as pessoas negras
e todos os pretos,
isso não vai parar
a revolução
eu tenho medo de dizer
pra minha colega de quarto pra onde eu estou indo
e pavor de dizer
pras pessoas se eu vou mesmo
se eu me sentar aqui
pro resto
da minha vida
isso não vai parar a revolução
se eu nunca mais escrever nenhum
poema
ou conto
se eu reprovar
a graduação
se meu carro for apreendido
e meu toca-discos
não tocar
e se eu nunca vir
um dia de paz
ou tiver uma atitude preta significativa
isso não vai parar
a revolução
a revolução
está nas ruas
e se eu ficar
no 5º andar
ela vai continuar
se eu nunca fizer
nada
ela vai continuar
My poem
i am 25 years old
black female poet
wrote a poem asking
nigger can you kill
if they kill me
it won’t stop
the revolution
i have been robbed
it looked like they knew
that I was to be hit
they took my tv
my two rings
my piece of african print
and my two guns
if they take my life
it won’t stop
the revolution
my phone is tapped
my mail is opened
they’ve caused me to turn
on all my old friends
and all my new lovers
if i hate all black people
and all negroes
it won’t stop the revolution
i’m afraid to tell
my roommate where I’m going
and scared to tell
people if I’m coming
if i sit here
for the rest
of my life
it won’t stop
the revolution
if i never write
another poem
or short story
if i flunk out
of grad school
if my car is reclaimed
and my record player
won’t play
and if i never see
a peaceful day
or do a meaningful
black thing
it won’t stop
the revolution
the revolution
is in the streets
and if i stay on
the 5th floor
it will go on
if i never do
anything
it will go on
Publicado no livro Black Judgement (1968)
(Fonte: The Collected poetry of Nikki Giovanni 1968-1998, p. 86-87)
AS TRÊS IRMÃS
AMIGO
Aquele que te ajuda a dizer não, quando o mais fácil é
dizer sim
Aquele que te empresta o último dinheiro que tem no banco
Aquele que te abraça quando choras.
Aquele que te defende quando te vilipendiam
COMPANHEIRO
Aquele que entende as tuas utopias
Aquele que sobe contigo a montanha mais alta
Aquele que vai a teu lado e sabe estar calado
CAMARADA
Aquele que vai contigo defender a Pátria
Aquele que segue o teu caminho para um mundo novo
Aquele que detém a bala para te salvar a vida
Ouvir aqui»»» Mário Viegas Armindo Mendes Carvalho
OS
POBREZINHOS
Os
pobrezinhos
tão
engraçados
pedem
esmolinha
com mil
cuidados
Todos
sujinhos
e tão
magrinhos
a linda
graça
dos
pobrezinhos
De porta em
porta
sempre
rotinhos
tão
delicados
os
pobrezinhos
Não façam
mal
aos
pobrezinhos
dêem-lhes
pão
e
tostõezinhos
Os
pobrezinhos
tão
engraçados
pedem
esmolinha
com mil
cuidados
HISTÓRIA ANTIGA (1937)
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher o mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
O ASSADOR DE CASTANHAS
O assador de castanhas
ali na esquina
da Praceta da Palestina
em serena prece à quietude universal
escreve no fumo branco e fugaz
que se funde no ar
a palavra PAZ.
Na canção do silêncio
ali na esquina
da Praceta da Palestina
ergue-se a voz de tanta gente
no fumo branco e fugaz
que se esvai pelo ar
gritando Palestina independente
queremos a PAZ.
O assador de castanhas
rasga as páginas amarelas
com milhares de nomes dentro delas
e embrulha as castanhas
numa dúzia de pessoas
entoando quentes e boas
no fumo branco e fugaz
que sobe no ar
com a palavra PAZ.
Talvez o nosso nome esteja lá
envolvendo as castanhas
ali na esquina
da Praceta da Palestina
e a consciência adormecida
de atrocidades tamanhas
a todos acorde a gritar
no fumo branco e fugaz
que se perde no ar
queremos a PAZ.
Neste caminho cruel
em que o mundo se perde
a cantar e a dançar
alheio a genocídios
e a toda a fome de matar
o assador de castanhas
ali na esquina
da Praceta da Palestina
em serena ode à quietude universal
escreve no fumo branco e fugaz
que se ergue no ar
a palavra PAZ.
In, A
Viagem dos Argonautas
25 DE ABRIL DE
1974
A partir desse dia poderíamos
ter começado a aprender a crescer
e a desafiar os enigmas puríssimos da palavra liberdade - no auge da paisagem
a ave indócil a que não renunciámos
é um símbolo fortíssimo contra os símbolos precários, os malogros
antigos,
a fome a que nos querem condenados
sempre que a morte ronda e o exílio
dói
como um cravo recentemente apunhalado.
A partir desse dia poderíamos ter começado a aprender a enfrentar o medo
que durante tanto tempo nos manteve separados
sem que soubéssemos como e quando acabaria – na terra e no amor
brilham profundamente as lágrimas dos pobres
e o sangue é uma flor misteriosa
que floresce de súbito
quando um grito se ouve no deserto
e uma gaivota volta
para nos contactar.
A partir desse dia poderíamos ter começado a distribuir o coração
e a partir nesse barco em busca de límpidas aventuras
onde enfeitássemos a vida com sonhos realizáveis
e a solidão fosse completamente impossível – o silêncio abria-se
num manancial de palavras profundamente comovidas
[que nos enchiam de ternura
e nos aproximavam
dos incontáveis registos da fraternidade, a noite
era expulsa para sempre
e os braços davam-se e ardiam.
A partir desse dia poderíamos ter começado a aprender que a felicidade
é algo muito mais tangível do que o que nós pensávamos
se se constrói pedra a pedra e palmo e a palmo se conquista
quando uma vontade solar e a solidariedade
não deixam ninguém ficar desprevenido – o assombro
principia a exercer o seu poder admirável, chega como
uma chuva benigna com o perfil da paz, tem o odor
interminável
da alegria.
A partir desse dia poderíamos ter começado a aprender a conjugar um futuro
um pouco mais perfeito, a erguer
a cabeça, a defendermo-nos
das múltiplas armadilhas que o ódio arma –
[entrávamos pela manhã
ainda com maior vitalidade
e com um pouco do azul da primavera progredíamos
como um par de namorados:
a proliferante espontaneidade dos seus beijos
transformaria o mundo…
A partir desse dia poderíamos ter começado a aprender que a frescura
é um bem vertiginoso que é necessário preservar cada vez mais
e que não basta a um homem
o benefício das mãos limpas perante a enternecedora figura de esperança
quando os lobos são os mais acérrimos inimigos da exclusiva claridade que há
nas praias
e com falsos dentes de oiro esperam um mínimo descuido
para que possam destruir de um só golpe os sonhos e a beleza
de quem abre as portas de par em par a bens muito
[maiores
para que a volúpia entre e alvorece o ar.
A partir desse dia poderíamos ter começado a aprender a agir conclusivamente
sobre o passado, a prevenir
o mal do desencanto.
Revolução
Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta
Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício
Como a voz do mar
Interior de um povo
Como página em branco
Onde o poema emerge
Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação
Sophia de Mello Breyner Anderson
27 de Abril de 1974. [In "O Nome das
Coisas
SONETO DE ABRIL
Evoé! de pâmpano os soldados
rompem do tempo em que Evoé! a terra
salvé rainha descruzando os braços
com seu pé de papiro pisa a fera.
Na écloga dos rostos despontados
onde dos corvos se retira a treva,
de beijo em beijo as ruas são bailados
mudam-se as casas para a primavera.
Evoé! o povo abre o touril
e sai o Sol perfeitamente Abril
maravilha da Pátria ressurrecta.
Evoé! evoé! Tágides minhas
outra vez prateadas campainhas
sois na cabeça em fogo do poeta.
DAQUI DESTE DESERTO EM QUE PERSISTO
Nenhum ruído no branco.
Nesta mesa onde cavo e escavo
rodeado de sombras
sobre o branco
abismo
desta página
em busca de uma palavra
escrevo cavo e escavo a cave desta página
atiro o branco sobre o branco
em busca de um rosto
ou folha
ou de um corpo intacto
a figura de um grito
ou às vezes simplesmente uma pedra
busco no branco o nome do grito
o grito do nome
busco
com uma fúria sedenta
a palavra que seja
a água do corpo a corpo
intacto no silêncio do seu grito
ressurgindo do abismo da sede
com a boca de pedra
com os dentes das letras
com o furor dos punhos
nas pedras
Sou um trabalhador pobre
que escreve palavras pobres quase nulas
às vezes só em busca de uma pedra
uma palavra
violenta e fresca
um encontro talvez com o ínfimo
a orquestra ao rés da erva
um insecto estridente
o nome branco à beira da água
o instante da luz num espaço aberto
Pus de parte as palavras gloriosas
na esperança de encontrar um dia
o diadema no abismo
a transformação do grito
num corpo
descoberto na página do vento
que sopra deste buraco
desta cinzenta ferida
no deserto.
Aqui as minhas palavras são frias
têm o frio da página
e da noite
de todas as sombras que me envolvem
são palavras
são palavras frágeis como insectos
como pulsos
e acumulo pedras sobre pedras
cavo e escavo a página deserta
para encontrar um corpo
entre a vida e a morte
entre o silêncio e o grito
Que tenho eu para dizer mais do que isto
sempre isto desta maneira ou doutra
que procuro eu senão falar
desta busca vã
de um espaço em que respira
a boca de mil bocas
do corpo único no abismo branco
sou um trabalhador pobre
nesta mina branca
onde todas as palavras estão ressequidas
pelo ardor do deserto
pelo frio do abismo total
Que tenho eu para dizer
neste país
se um homem levanta os braços
e grita com os braços
o que mais oculto havia
na secreta ternura de uma boca
que era a única boca do seu povo
Que posso eu fazer senão
daqui
deste deserto
em que persisto
chamar-lhe camarada
(poema
dedicado a Vasco Gonçalves)
GANHAR A VIDA
Mãe,
acho que vou fazer uma visita ao Inferno.
Não importa que seja muito longe.
Partirei de manhã como se estivesse a sair para o trabalho,
voltarei à noite como se tivesse saído do trabalho.
Não te esqueças das refeições, mastiga bem os alimentos antes de engolir,
certifica-te que desligas o gás quando saíres
e não te preocupes comigo.
O inferno deve ser um lugar onde vivem pessoas.
Se eu for para o Inferno para ganhar a vida
poderei finalmente tornar-me uma pessoa.
Jeong
Ho-Seung
(Coreia do Sul )
Mudado para português por _ Jorge Sousa Braga
Adonis / um
espelho para o século xx
Um caixão com
a cara de um rapaz
Um livro
Escrito no ventre de um corvo
Um animal selvagem escondido numa flor
Um rochedo
A respirar com os pulmões de um lunático:
É isto
É isto o Século Vinte
Ahmad Shamlou
trad. Maria de Lurdes Guimarães
campo das letras
2001
Três curtos discursos em homenagem póstuma a Álvaro Cunhal
[primeiro
discurso "Uma chama não se prende" AQUI]
2. AO ENCONTRO DO ENCONTRO
para que eu pudesse fazer o meu caminho pelo
caminho comum e partilhar o tempo
a invenção, o desejo, o trabalho e a luta por
uma terra sem amos
para que nas histórias lidas desde a infância
eu aprendesse a descobrir os meus
a articular aquelas palavras
sobre as quais o confronto ainda não terminou
e assim nos movem para que eu pudesse sentir-me
esperado sobre
esta terra tão dilacerantemente bela
e tão insuportavelmente devasta
para que tendo aprendido a falar eu tivesse
podido encontrar os outros na minha língua
para que eu pudesse olhar, estender as mãos
e encontrar o corpo do mundo
como a minha tarefa comum
para que eu viesse e pudesse chegar a esta reunião
contínua
esta assembleia de homens
explorados e livres, oprimidos e
livres
foi necessário que a convocatória chegasse até mim
foi necessário que eles continuassem reunidos e me
esperassem
foi necessário que tu tivesses vindo e chegado antes
que te tivessem acolhido e te tivessem transformado o
nome próprio
em nome comum