quinta-feira, 11 de abril de 2024

O abril roxo de um país - João Rasteiro

O abril roxo de um país

“Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo”

Sophia de Mello Breymer

1.

Oh uivo de corpos ecoado por ratazanas

onde um país mergulha além das rosas

no horizonte da envelhecida visitação

dos cravos só raiz de cimento e alcatrão.

*

As palavras alagam-te, ó Portugal de sol

com tufos negros de peixes negros,

os galhos partidos nos olhos da esperança

dos ramos desalentados são um abril roxo.

*

É como se nenhuma manhã inteira e limpa

sob a névoa, como um tal D. Sebastião,

alguma vez tenha irrompido do seu musgo.

*

Palavras não de sol, palavras de flores secas,

palavras de amor e morte, palavras já só de

esperança ausente e do medo dessas palavras.

 

2.

Uma espera é sempre o puro vislumbre

de um princípio de espaço primaveril,

neste eflúvio mudo do regaço abril

só um cravo partido entre a revolução.

*

já, e o abismo da memória de um país.

E mesmo mudando uns frágeis versos

para perto das águas quentes do rio,

como as rosas tristes, estes cravos são

*

hoje como as grandes escamas secas

de um peixe sufocado no sopro do Tejo.

“Fora existe o mundo”, aqui, a luzente

*

brutalidade da inércia de ti, Portugal:

não, não, esta nunca foi a tua madrugada

esperada, a nossa utopia inteira e limpa!

 

João Rasteiro

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