segunda-feira, 3 de junho de 2024

Revolução é uma palavra muscular - Rosa Alice Branco

Revolução é uma palavra muscular

 

Não contem os dias caros senhores.

Há coisas mais urgentes do que embalar o tempo em plástico

alveolar. É por aí que as horas fogem à palavra já,

esta palavra urgente até ao ínfimo segundo. Cada bolha

seria um ano mais de ditadura. Não vos dói o coração dos outros?

A boca parada da vida obriga-me a palavras como já e nunca mais.

São palavras de andar, têm um corpo muscular de sim,

músculos de acelerar a revolução enquanto os caros senhores

olham as canetas azuis com que se mata a literatura em nome

de qualquer coisa que não é decerto um livro que julgávamos

irremediavelmente publicado. Caros senhores, com abril a revolução

não teve um fim, teve um início que já tinha começado

antes de estiar as nossas vidas.

Não contem dias inúteis. A matemática habita o já

e a liberdade pode perigar no dedo mindinho, ou num capilar

de desatenção. A palavra do agora-sempre é revolução.

A palavra do aqui é já, um já modelado com alteres,

e ainda assim minúsculo para tanto exercício cardiovascular

sem necessidade de aquecimento.

A letra “J” é uma coluna que marcha à procura da letra “à”

e encontram-se numa fonte de cravos onde as gentes

bebem à porta da cidade morena, atravessada a noite

das prisões. Mas há sempre uma mão alheia a trabalhar na sombra

e melhor do que contarem as horas é vigiarmos nós o sol

para que nasçam sempre cravos, sempre o vermelho insanguíneo

da liberdade. A revolução é a única melodia do amanhecer.

Rosa Alice Branco

 

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