quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A Terceira Miséria - Hélia Correia

Dois fragmentos finais

de 

A Terceira Miséria

32.
Estão as praças,
Como ágoras de outrora, estonteadas
Pela concentração dos organismos,
Pelo uso da palavra, a fervilhante
Palavra própria da democracia,
Essa
que dá a volta e ilumina
O
que, por um instante, a empunhou.
Oh, os amigos, os abandonados,
Esses, os destinados ao extermínio,
Esses os belos despojados, nus,
Os
que, mesmo nascendo no Inverno,
Pouco sabem do frio, gente que dorme
Na
sombra do meio-dia, ouvindo o canto
Das
cigarras, o canto sobre o qual
Hesíodo escreveu.
Gente do Sul,
Gente que um dia se desnorteou.
33.
De que armas disporemos, senão destas
Que estão dentro do corpo: o pensamento,
A ideia de polis, resgatada
De
um grande abuso, uma noção de casa
E de
hospitalidade e de barulho
Atrás do qual vem o poema, atrás
Do
qual virá a colecção dos feitos
E
defeitos humanos, um início.
Hélia Correia

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