quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Homens-entulho - Adão Cruz

Homens-entulho

Para além de nós há o mundo
e durante muito tempo ignoramos o mundo
esquecemos as valas comuns que toquei ao de leve
muito ao de leve
não fosse os mortos magoar.
Nas margens verdes do Dniepre
regadas de lágrimas
onde cresceram flores sobre o chão de Babi-yar
umas de sal e água no mar quente de Bissau
bordando a lodo o cais de Pidjiguiti
outras de sangue esguichado das cabeças
à tona de água em último respiro
outras de terra ensopada em rios de morte
no ventre de um Wiriyamu fuzilado
na penugem de Chinteya
nas balas de Vaina
no esventrar de Zostina
nos gestos de um vulcão de raiva
em cada taça de vingança
que nem a morte amansa
nos túmulos da Palestina.
Sangue de Cristo
In Nomine Patris
mártires sem martirológio
corpos fecundos
erguei bem alto os ossos descarnados
que a morte é de acordar
e semear flores na aposta de outros mundos
erguei os rostos mirrados dos famintos da Terra
dos homens-entulho da grande vala comum
cavada no peito dos Humilhados e Ofendidos
pelos homens sem rosto
rasgada no ventre dos Condenados da Terra
pelos homens sem alma.


Poeta e pintor.
Foi médico militar na Guiné por ocasião da Guerra Colonial

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