“ Ó céu, socorre-me! Ó céu, tenha piedade da miséria humana!”
“O coordenador de sismos”
e
Um poema sobre o desastre em Lisboa 1755 – Voltaire
Ó infelizes mortais, ó terra
deplorável
Ó ajuntamento assustador de seres humanos! Eterna diversão de inúteis dores!
Filósofos alienados que proclamam:“tudo vai bem”. Venham contemplar essas
ruínas horrendas esses destroços, esses farrapos, essas cinzas malditas, essas
mulheres e essas crianças amontoadas sob mármores partidos, seus membros
espalhados;
Cem mil desafortunados que a terra devora, que sangrando, dilacerados, e ainda
palpitando enterrados sob seus tetos, sucumbem sem socorro, no horror de tormentas
findando seus dias!
Diante dos gritos de suas vozes moribundas, do horror de suas cinzas ainda
crepitantes, vocês dirão; “é a consequência de leis eternas que um Deus
livre e bom resolveu aplicar?!”
Vocês dirão, vendo esse amontoado de vítimas: “Deus vingou-se,e a morte deles é
o preço de seus crimes?!”
Que crime, que falta cometeram essas crianças esmagadas e sangrentas sobre o
seio materno? Lisboa, que não mais existe, teria mais vícios que Londres, que
Paris, submersas em delícias?
Lisboa está destruída e dança-se em Paris.
Espectadores tranquilos, intrépidos espíritos, contemplando a desgraça desses
moribundos, vocês procuram – em paz – as causas do desastre:
mas quando sentem os golpes dos fados inimigos, tornam-se mais humanos e choram
como nós. creiam-me: quando a terra abre seus abismos, meu lamento é inocência
e meu grito é verdade sempre cercados pelas crueldades do acaso, pelo furor dos
malvados, pelas armadilhas da morte experimentado o abalo de todos elementos,
companheiros de nossos males, permitam lastimá-los.
É o orgulho, dizem vocês, o orgulho sedicioso, que almeja que indo mal, nós
possamos ser melhores. Vão interrogar as margens do tejo;
Escavem nos destroços dessa ruína sangrenta;
Perguntem aos moribundos nesse átimo de espanto se é o orgulho que grita “ Ó
céu, socorre-me! Ó céu, tenha piedade da miséria humana!”
“Tudo vai bem – dizem vocês – e tudo é necessário”.
Por acaso o universo, sem esse abismo, infernal, sem submergir Lisboa, estava
sendo pior?
– Voltaire foi escritor,
ensaísta, deísta e filósofo iluminista francês.
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