segunda-feira, 3 de março de 2025

OS BANCOS - Armando Silva Carvalho


OS BANCOS

 

Era bom descolar dos bancos, erguer o olhar acima

das cantarias, deste peso rotundo,

desta massa de cifras, destes arranjos de papéis abstratos,

destes homens que sou obrigado a ler e ouvir

como tributo ao facto de ainda estar vivo.

Tudo isto e o futebol

e os seus comentadores de camisa aberta, 

deprime a minha idade, mata-me

mais cedo.

 

Eu descubro a febre antes dela me chegar aos membros, 

olho-me ao espelho e pareço um cientista ambulante

desses que ganham prémios

e só lhes falta fixamente o próximo

para alcançarem o cómodo lugar de santos laicos.

As doenças estendem-se nos mapas,

as pestes são como as mariposas, 

e tudo parece esvoaçar na febre programada. 

 

Mas melhor mesmo era descolar dos bancos, 

subir acima do mármore, adormecer sem idade nem estrela,

ou descer tão baixo que a água não consiga encontrar-me,

e os vermes duma beleza estranha, azul, tão movediça,

venham beijar-me os poemas, discípulos de morte.

Sim, descolar dos bancos, encher a boca de terra,

enfim, saber dormir. 


Armando Silva Carvalho


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