domingo, 22 de março de 2020

2º Poema da Cidade - Mendes de Carvalho


 
2º Poema da Cidade

Há de tudo nesta sossegada e hospitaleira cidade
Contando é evidente com os artigos importados
desde cintas dernier cri da Rue de la Paix
para uso de damas ventrudas da alta sociedade
passando pelos três sorrisos da menina Sagan
e a filosofia de monsieur Jean-Paul Sartre
até ao oriental vírus “A-Sigapura I-57”.
Os peões caminham pela direita como foi estabelecido
muito bem comportados muito fantasmas líricos
conformados com a pacífica vida quotidiana.
Os que não resistem ao clima dão dentadas na alma
o que em nada prejudica o singular sossego da cidade.

Tudo se passa tudo acontece muito liricamente
como convém a um país de sol à beira-mar plantado.
As pessoas morrem de morte puramente natural
exceptuando um ou outro inadaptado.

A cidade continua a ser muito própria para turistas.


Em: “Camaleões e Altifalantes” (1963)

Sem comentários: