sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A mulher que chora baixinho - Álvaro de Campos

A mulher que chora baixinho

 

A mulher que chora baixinho

Entre o ruído da multidão em vivas…

O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,

Cheio de individualidade para quem repara…

O arcanjo isolado, escultura numa catedral,

Syringe fugindo aos braços estendidos de Pan,

Tudo isto tende para o mesmo centro,

Busca encontrar-se e fundir-se

Na minha alma.

Eu adoro as cousas

E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.

Tenho pela vida um interesse ávido

Que busca compreende-la sentindo-a muito.

Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,

Aos homens e às pedras, às almas e às maquinas,

Para aumentar com isso a minha personalidade.

Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio

E a minha ambição era trazer o universo ao colo

Como uma criança a quem a ama beija.

Eu amo todas as cousas, umas mais do que as outras,

Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo

Do que as que vi ou verei.

Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.

A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.

Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.

Dá-me lírios, lírios

E rosas também.

 

Álvaro de Campos

Sem comentários: