sábado, 24 de outubro de 2020

Amigo, - Caio Fernando Abreu

Amigo,


escuta bem porque calar não calo,
porque até o fim me cumprirei no que consome,
escuta bem, te peço claramente:
essas noites de roxo e de procura,
essa sede nas mãos, tão disfarçada,
esse ácido que, bem sei, te esmaga
como a mim próprio dissolve e mata
(não, não há remédio contra sermos sós)
- é tudo tão duro amigo, amado,
e não compreendem o meu querer calado e pouco:
não mais que isso - um fundo canto
e a mão de qualquer amigo perdida dentro da minha.
(Um anjo negro de desvairadas órbitas
atrás da minha andança descompassada: ah
te daria tanto se querer quisesses.)

 

Caio Fernando Abreu

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