quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

CONSCIENTEMENTE VIVO - Fernando Mouga

 

CONSCIENTEMENTE VIVO

Com a minha angústia coletiva

que o lúcido olhar o mundo

faz nascer e avoluma dia a dia

conscientemente vivo.

Poeta proibido

do jogo da beleza das palavras

porque elas se transformam

em claros sinais de luta e de esperança

que são dever da própria poesia.

Cidadão de todas as pátrias

Em cada uma choro, odeio, canto o rio.

Choro a escravidão, a miséria, a violência,

as vítimas diárias que não conheço

mas tão próximas na raiva e no pranto.

Odeio os anti-homens construtores de guerras,

semeadores da morte,

racistas, exploradores dos outros homens,

ladrões da liberdade

nos cinco continentes.

Canto o rio

quando os homens-humanos são mais donos do cosmos

em pacíficas naves vogando ao infinito

e hora a hora mais se dignificam,

quando os povos se libertam

e os carrascos fogem ou perecem,

e as aves cantam,

e as flores vibram,

e as florestas executam sinfonias,

e os céus e os mares em mais verde e mais azul se espelham

e a beleza da terra renasce em nossos olhos,

quando, enfim, a vida se ressurge natural

e milhões de coisas belas acontecem.

 

Para além do terror atómico

conscientemente vivo

a minha esperança coletiva

na solidária paz universal

que acontecerá um dia que não verei

mas que hoje já inteiro represento

poeta sem raça nem fronteiras.

 

Fernando Mouga

In, o diário 25-5-86 “CULTURAL

 

 

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