domingo, 28 de janeiro de 2024

West Bank (Cisjordânia) - André Luís Alves

 

IV


IV

West Bank (Cisjordânia)

 

O que faz um homem numa cadeira de rodas ali?

 

Tínhamos pedras e queríamos que as pedras fossem nossas,

que as mortes fossem nossas ao caírem no chão,

nós os ratos desta peste lenta, pestilenta forma

de durar, existir é resistir,

luta após luta,

mas a fadiga esmói,

esboroa,

esmerila e abrevia todos

mesmos os diamantes,

as esperanças vãs,

as pedras que agora são cacos de vidro ao sol

brilham como as estrelas, alucinações.

 

Desde que lutamos que já só sabemos lutar,

pilharam as nossas casas,

pilharam os nossos livros,

pilharam as nossas fotografias,

pilharam as nossas memórias,

pilharam tudo que podiam pilhar.

Estropiaram-nos,

nós os eternos refugiados, nós as figuras na paisagem em êxodo,

refugiados em casa, onde é a casa, se ao mudarmos de lugar perdemos a identidade.

Ou não terá o lugar ficado mudo ao se chamar casa?

 

Mudas as mulheres,

lutam também, têm filhos no meio da discórdia,

filhos da ciência dentro das ondas do inimigo, filhos dos homens soldado

que ao anteverem a morte nas nuvens do dia anterior,

e só a morte os guia na noite,

congelam o seu esperma como estrelas dessas noites, promessas,

filhos do parto do nunca, da promessa também ela dum país adiado,

apagado – nessa noite sem lua.

 

As mulheres ululam, nasceu outra criança.

Filha do congelador do inimigo adentro o calor do deserto,

filha do amor, filha de quem resiste, vivo e morto,

existe,

e assim, promessas de mais homens soldado como doces tâmaras,

e de mulheres para lhes sobreviverem e darem ao sol,

as luzes que não vêem, aos tormentos que pressentem,

filhos de todas as sedes, mártires, mais de quarenta.

Nascidos sem água, mártires, entre as oliveiras queimadas

nascidos no crepúsculo do muro, entre lutas,

os nascidos do muro,

o locus, dos sem futuro.

André Luís Alves

 Nasceu em 1987 em Lisboa. Mestre em Engenharia Física pelo IST. Trabalhou em investigação no CERN, Suíça e em Telecomunicações em Lisboa e Roma. Em 2017, deixou o seu trabalho e decidiu ser repórter. Viveu na Ucrânia, Inglaterra e Itália, e viajou pelo Senegal, Marrocos, Turquia e Irão. Publica poesia desde 2015, em várias revistas sobretudo na Apócrifa. Trabalha como fotojornalista freelance para o Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF Freelance Photojournalism

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