IV
IV
West
Bank (Cisjordânia)
O que faz um homem numa cadeira de rodas ali?
Tínhamos pedras e queríamos que as pedras fossem
nossas,
que as mortes fossem nossas ao caírem no chão,
nós os ratos desta peste lenta, pestilenta forma
de durar, existir é resistir,
luta após luta,
mas a fadiga esmói,
esboroa,
esmerila e abrevia todos
mesmos os diamantes,
as esperanças vãs,
as pedras que agora são cacos de vidro ao sol
brilham como as estrelas, alucinações.
Desde que lutamos que já só sabemos lutar,
pilharam as nossas casas,
pilharam os nossos livros,
pilharam as nossas fotografias,
pilharam as nossas memórias,
pilharam tudo que podiam pilhar.
Estropiaram-nos,
nós os eternos refugiados, nós as figuras na
paisagem em êxodo,
refugiados em casa, onde é a casa, se ao mudarmos
de lugar perdemos a identidade.
Ou não terá o lugar ficado mudo ao se chamar
casa?
Mudas as mulheres,
lutam também, têm filhos no meio da discórdia,
filhos da ciência dentro das ondas do inimigo,
filhos dos homens soldado
que ao anteverem a morte nas nuvens do dia
anterior,
e só a morte os guia na noite,
congelam o seu esperma como estrelas dessas
noites, promessas,
filhos do parto do nunca, da promessa também ela
dum país adiado,
apagado – nessa noite sem lua.
As mulheres ululam, nasceu outra criança.
Filha do congelador do inimigo adentro o calor do
deserto,
filha do amor, filha de quem resiste, vivo e
morto,
existe,
e assim, promessas de mais homens soldado como
doces tâmaras,
e de mulheres para lhes sobreviverem e darem ao
sol,
as luzes que não vêem, aos tormentos que
pressentem,
filhos de todas as sedes, mártires, mais de
quarenta.
Nascidos sem água, mártires, entre as oliveiras
queimadas
nascidos no crepúsculo do muro, entre lutas,
os nascidos do muro,
o locus, dos sem futuro.
André Luís Alves
Nasceu
em 1987 em Lisboa. Mestre em Engenharia Física pelo IST. Trabalhou em
investigação no CERN, Suíça e em Telecomunicações em Lisboa e Roma. Em 2017,
deixou o seu trabalho e decidiu ser repórter. Viveu na Ucrânia, Inglaterra e
Itália, e viajou pelo Senegal, Marrocos, Turquia e Irão. Publica poesia desde
2015, em várias revistas sobretudo na Apócrifa. Trabalha como fotojornalista
freelance para o Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF Freelance
Photojournalism
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