Versos do pobre católico
Nem palavras nem coisas tenho para o teu
altar
e é hoje a tua festa agora é que me
lembra, Senhora da Assunção
Tiveste sobre os teus alvos pés alguns
momentos
brilhantes de fervor as presidentes de
importantes movimentos
Mas tens a fronte fria e dois olhos
brilhantes
Estava distraído. Não te sentes feliz
se o povo reza livremente o terço no país
e são muito cristãos os nossos
governantes?
Nem palavras nem coisas nem a própria
distração será bastante
para fazer passar por cima dos mais
próximos devotos esse olhar
que há de envolver o grande corpo mudo
justo mas distante
Nem palavras nem coisas tenho para o teu
altar
e é hoje a tua festa agora é que me
lembra, Senhora da Assunção
Venho como um gatuno — o que rouba de
frente, arrisca e puxa a faca,
não o político o industrial o presidente
dos conselhos de administração
— depositar à superfície desse teu imenso
olhar
poisado sobre os dias e os gestos e as
águas na ressaca
entre aromas e fumos esta enorme
incorrigível distração
que me enche a vida o passo e o regaço e
deixo finalmente transbordar
Era tudo o que tinha era mais esta grande
mágoa
de ter medo de vir talvez por não saber
nadar
no mar de piedade em que outros se
comprazem como peixe na água
Todos os poemas, Lisboa, Assírio &
Alvim, 2000
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