quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Citroën (o capitalismo, segundo) Jacques Prévert




Citroën


Á porta dos bordéis
há uma pequena luz que brilha cíntila
algo de frágil, de discreto
uma pequena lanterna, uma lamparina

Mas sobre Paris adormecida, uma grande luz se expande
Uma grande luz sobe na torre
Uma luz crua
É a lanterna do bordel capitalista
Com o nome do patrão que brilha na noite.

Citroën! Citroën!

É o nome de um homenzinho,
Um homenzinho com números na cabeça,
Um homenzinho com um olhar estranho por detrás do monóculo,
Um homenzinho que só conhece uma canção,
Sempre a mesma.

O lucro.

Uma canção com números que andam em círculos:
500 carros, 600 carros por dia:
Scooters, caravanas, expedições, veículos de lagartas, camiões...
Lucros
Milhões. Milhões, Milhões, Milhões
Citroën. Citroën.

Mesmo em sonhos ouve-se o seu nome
500, 600, 700 carros saindo nos camiões
800 tendas por dia, 200.... 200....
Sempre a rolar!

Ele sorri, ele continua a canção
Ele não ouve a voz dos homens que fabricam
Ele não ouve a voz dos trabalhadores
Ele está-se nas tintas para os trabalhadores.

Um trabalhador é como um pneu velho
quando há um que rebenta
não se ouve o estrondo
Citroën não ouve
Citroën não ouve
Ele é surdo para o que dizem os trabalhadores

No entanto, no casino, ele ouve a voz do croupier
- Um milhão M. Citroën, um milhão
Se ganha, tanto melhor, está ganho
Mas se perde, não é ele quem perde, são os seus trabalhadores
São sempre aqueles que fabricam
que no fim de contas são fabricados.

E ei-lo que se passeia em Deauville,
Ei-lo em Cannes a sair do casino

Ei-lo em Nice exibindo-se
Na Promenade des Anglais com um pequeno casaco claro
- Faz bom tempo hoje!
Ei-lo passeando, apanhar ar.

Em Paris também apanha o ar, apanha o ar dos trabalhadores
Ele tira o ar dos trabalhadores
ele toma-lhes o ar, o tempo, a vida
E quando há um que escarra os pulmões na oficina
pulmões destruídos pela areia e ácidos
e lhe recusa uma garrafa de leite

O que é que ele tem com isso
uma garrafa de leite?
Ele não é leiteiro
Ele é Citroën

Ele tem o seu nome na torre, tem os coronéis sob suas ordens.
Os coronéis, manga-de-alpaca, carcereiros, espiões.
Jornalistas que lhes vão comer à mão.
O chefe da polícia rastejando sob o seu capacho.

Citron? Citron?
Lucros
Milhões. Milhões

E se o volume de negócios está a baixar
para que, apesar de tudo, os lucros não diminuam
basta aumentar a cadência e de
Baixar os salários dos trabalhadores

Baixar os salários

Mas aqueles que foram muito tempo tosquiados como caniches
Esses têm ainda uma mandíbula de lobo
Para morder, para se defender, para atacar

Fazer a greve
A greve
Viva a greve!


Jacques Prévert

Este poema foi escrito para o Grupo de Outubro em abril de 1933 e lido pelo próprio Prévert aos grevistas da fábrica da Citroën em Quai de Javel, a quem André Citroën, conhecido pela sua generosidade em relação aos crupiês, acabara de anunciar uma redução dos salários em cerca de 20%.

Citroën
À la porte des maisons closes
C’est une petite lueur qui luit
quelque chose de faiblard, de discret
une petite lanterne un quinqué

Mais sur Paris endormi, une grande lueur s’étale
Une grande lueur grimpe sur la tour
Une lumière toute crue
C’est la lanterne du bordel capitaliste
Avec le nom du tôlier qui brille dans la nuit.

Citroën ! Citroën !
C’est le nom d’un petit homme,
Un petit homme avec des chiffres dans la tête,
Un petit homme avec un drôle de regard derrière son lorgnon,
Un petit homme qui ne connaît qu’une seule chanson,
Toujours la même.

Bénéfices nets.
Une chanson avec de chiffres qui tournent en rond:
500 voitures, 600 voitures par jour:
Trottinettes, caravanes, expéditions, auto-chenilles, camions…
Bénéfices nets
Millions. Millions Millions Millions
Citroën.Citroën.

Même en rêve on entend son nom
500, 600, 700 voitures laissant aux camions
800 tentes par jour, 200 .... 200 ....
Et que ça roule!

Il sourit, il continue sa chanson
Il n´entend pas la voix des hommes qui fabriquent
Il n' entend pas la voix des ouvriers
Il s' en fout des ouvriers.

Un ouvrier c' est comme un vieux pneu
quand il y a un qui crève
on n' entend même pas crever

Citroën n' écoute pas
Citroën n' entend pas
Il est dur de la feuille pour ce qui est des ouvriers

Pourtant au casino il entend bien la voix du croupier
- Un million M. Citroën, un million
S´il gagne c' est tant mieux, c' est gagné
Mais s' il perd c' est pas lui qui perd, c' est ses ouvriers
C' est toujours ceux qui fabriquent
qui en fin de compte sont fabriqués.

Et le voilà qui se promène à Deauville,
Le voilà à Cannes qui sort du Casino

Le voilà à Nice qu' il fait le beau
Sur la promenade des Anglais avec un petit veston clair
- Beau temps aujourd’hui !
Le voilà qu' il se promène, qui prend l’air.

A Paris aussi il prend l' air, il prend l' air des ouvriers
Il prend l’air des ouvriers
il leur prend l’air, le temps, la vie
Et quand il y en a un qui crache ses poumons dans l’atelier
ses poumons abîmés par le sable et les acides
il lui refuse une bouteille de lait
Qu’est-ce que ça peut bien lui foutre
une bouteille de lait ?
Il n’est pas laitier
Il est Citroën

Il a son nom sur la tour, il a des colonels sous ses ordres.
Des colonels gratte-papier, garde-chiourme, espions.
Des journalistes mangent dans sa main.
Le préfet de police rampe sous son paillasson.

Citron ? Citron ?
Bénéfices nets
Millions. Millions

Et si le chiffre d’affaires vient à baisser
pour que malgré tout les bénéfices ne diminuent pas
il suffit d’augmenter la cadence et de
Baisser les salaires des ouvriers

Baisser les salaires
Mais ceux qu’on a trop longtemps tondus en caniches
Ceux-là gardent encore une mâchoire de loup
Pour mordre, pour se défendre, pour attaquer
Faire la grève
La grève
Vive la grève !

Jacques Prévert

1 comentário:

Olinda disse...

Não conhecia.Muito bom.Abraço