quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

No povo buscamos a força - Jorge Rebelo



No povo buscamos a força

Não basta que seja pura
e justa
a nossa causa.
É necessário que a pureza
e a justiça
existam dentro de nós.

Dos que vieram
e connosco se aliaram
muitos traziam sombras no olhar,
motivos ocultos,
intenções estranhas.

Para alguns deles a razão da luta
era só ódio: um ódio antigo
centrado e surdo
como uma lança.

Para alguns outros era uma bolsa:
bolsa vazia (queriam enchê-la)
queriam enchê-la com coisas sujas
inconfessáveis.

Outros viemos.
Lutar p'ra nós é ver aquilo
que o povo quer
realizado.
É ter a terra onde nascemos.
É ter p'ra nós o que criamos.
Lutar p'ra nós é um destino -
é uma ponte entre a descrença
e a certeza do mundo novo.

Na mesma barca nos encontrámos.
Todos concordam - vamos lutar.
Lutar p'ra quê?
P'ra dar vazão ao ódio antigo?
P'ra encher a bolsa com o suor do povo?
Ou p'ra ganhar a liberdade
e ter p'ra nós o que criamos?

Na mesma barca nos encontrámos.
Quem há-de ser o timoneiro?

Ah as tramas que eles teceram!
Ah as lutas que ali travámos!
Mantivemo-nos firmes: no povo
buscámos a força
e a razão.

Inexoravelmente
como uma onda que ninguém trava
vencemos.
O povo tomou a direcção da barca.

Mas a lição lá está, foi aprendida:
Não basta que seja pura
e justa
a nossa causa.
É necessário que a pureza
e a justiça
existam dentro de nós.


Jorge Rebelo


(1971)
*Há um debate sobre a autoria desse texto, pelo qual sua divulgação se mostrou profícua em revelar. Publicamos ele como sendo de Agostinho Neto de acordo com o livro publicado pela "Editora Codecri Limitada" em 1976, Poemas de Angola, contendo apenas poemas atribuídos à Agostinho Neto. Uma leitora veio afirmar, com o que parece, grande conhecimento de causa (vide os comentários) que esse poema é na verdade de Jorge Rebelo, um Moçambicano. Ainda estamos em apuração e quaisquer informações serão valiosas.

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