quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

OS NOVE MONSTROS - César Vallejo

OS NOVE MONSTROS

 

E, desgraçadamente,

a dor cresce no mundo a cada instante,

cresce a trinta minutos por segundo, passo a passo,

e a natureza da dor é a dor duas vezes

e a condição do martírio, carnívoro, voraz,

é a dor duas vezes

e a função de erva puríssima, a dor

duas vezes

e o bem de ser, nos doer duplamente.

 

Jamais, homens humanos,

houve tanta dor no peito, na lapela, na carteira,

no copo, no açougue, na aritmética!

Jamais tanto carinho doloroso,

jamais tão perto o longe malferiu,

nunca o fogo jamais

fez tão bem seu papel de frio morto!

Jamais, senhor ministro da saúde, foi a saúde

mais mortal

e a enxaqueca tirou tanta fronte da fronte!

E o móvel teve, em sua gaveta dor,

o coração, na sua gaveta, dor,

a lagartixa, na gaveta, dor.

 

Cresce o infortúnio, irmãos homens,

mais veloz do que a máquina, dez máquinas, e cresce

com a besta de Rousseau, com nossas barbas;

cresce o mal por razões que não sabemos

e é uma inundação com próprios líquidos,

com barro próprio e própria nuvem sólida!

O sofrimento inverte posições, dá espetáculo

no qual o humor aquoso é vertical

ao pavimento,

o olho é visto e esta orelha é ouvida,

e esta orelha dá nove campanadas na hora

do raio, e nove gargalhadas

na hora do trigo, e nove sons fêmeas

na hora do pranto, e nove cânticos

na hora da fome e nove trovões

e nove látegos, menos um grito.

 

A dor nos agarra, irmãos homens,

por detrás, de perfil,

e nos entoca nos cinemas,

nos crava nos gramofones,

nos descrava dos leitos, cai perpendicularmente

a nossos tíquetes, a nossas cartas;

e é tão grave sofrer, mesmo rezando...

De consequências

da dor, existem alguns

que nascem, outros crescem, outros morrem,

e outros que nascem e não morrem, outros

que morrem sem haver nascido e outros

que não nascem nem morrem (a maioria).

 

E também por efeitos

do sofrimento, estou triste

até a cabeça, e mais triste até o tornozelo,

de ver o pão, crucificado, o nabo

ensanguentado,

a cebola chorando,

os cereais, em geral, feitos farinha,

o sal desfeito em poeira, a água fugitiva,

o vinho um ecce-homo,

e tão pálida a neve, e tão árdego o sol!

Como, irmãos humanos,

não vos dizer que já não posso e

já não posso com tanta gaveta,

tanto minuto, tanta

lagartixa e tanta

inversão, tanto longe e tanta sede de sede!

Senhor ministro da saúde, que fazer?

Ah, desgraçadamente, homens humanos,

há, meus irmãos, muitíssimo a fazer.

 

 César Vallejo

Los nueve monstruos

Y, desgraciadamente,
el dolor crece en el mundo a cada rato,
crece a treinta minutos por segundo, paso a paso,
y la naturaleza del dolor, es el dolor dos veces
y la condición del martirio, carnívora, voraz,
es el dolor dos veces
y la función de la yerba purísima, el dolor
dos veces
y el bien de ser, dolernos doblemente.

¡Jamás, hombres humanos,
hubo tanto dolor en el pecho, en la solapa, en la cartera,
en el vaso, en la carnicería, en la aritmética!
Jamás tanto cariño doloroso,
jamás tan cerca arremetió lo lejos,
jamás el fuego nunca
jugó mejor su rol de frío muerto!
¡Jamás, señor ministro de salud, fue la salud
más mortal
y la migraña extrajo tanta frente de la frente!
Y el mueble tuvo en su cajón, dolor,
el corazón, en su cajón, dolor,
la lagartija, en su cajón, dolor.

Crece la desdicha, hermanos hombres,
más pronto que la máquina, a diez máquinas, y crece
con la res de Rousseau, con nuestras barbas;
crece el mal por razones que ignoramos
y es una inundación con propios líquidos,
con propio barro y propia nube sólida!
Invierte el sufrimiento posiciones, da función
en que el humor acuoso es vertical
al pavimento,
el ojo es visto y esta oreja oída,
y esta oreja da nueve campanadas a la hora
del rayo, y nueve carcajadas
a la hora del trigo, y nueve sones hembras
a la hora del llanto, y nueve cánticos
a la hora del hambre y nueve truenos
y nueve látigos, menos un grito.

El dolor nos agarra, hermanos hombres,
por detrás de perfíl,
y nos aloca en los cinemas,
nos clava en los gramófonos,
nos desclava en los lechos, cae perpendicularmente
a nuestros boletos, a nuestras cartas;
y es muy grave sufrir, puede uno orar…
Pues de resultas
del dolor, hay algunos
que nacen, otros crecen, otros mueren,
y otros que nacen y no mueren, otros
que sin haber nacido, mueren, y otros
que no nacen ni mueren (son los más)
y también de resultas
del sufrimiento, estoy triste
hasta la cabeza, y más triste hasta el tobillo,
de ver al pan, crucificado, al nabo,
ensangrentado,
llorando, a la cebolla,
al cereal, en general, harina,
a la sal, hecha polvo, al agua, huyendo,
al vino, un ecce-homo,
tan pálida a la nieve, al sol tan ardio!.
¡Cómo, hermanos humanos,
no deciros que ya no puedo y
ya no puedo con tanto cajón,
tanto minuto, tanta
lagartija y tanta
inversión, tanto lejos y tanta sed de sed!
Señor Ministro de Salud: ¿qué hacer?
¡Ah! desgraciadamente, hombres humanos,
hay, hermanos, muchísimo que hacer.

Poemas humanos, 1939.

César Vallejo

POEMAS DE CESAR VALLEJO

“A obra de um poeta da grandeza de Cesar Vallejo (1892-1938) só pode ser entendida na coerência e amplitude que fazem de sua vida e de sua obra uma só totalidade. Em sua íntima inteireza. Na variedade dos recursos formais que encontrou, para tratar temas tão diversos: a vida familiar (e dentro dela, centro dela, a permanente figura da Mãe), o amor, a terra, o trabalho, o tempo, o índio, mas também a necessidade de absoluto, a busca de sentido e o desamparo da condição humana. Poeta de uma raça, de um povo, de uma cultura, intérprete autêntico da alma peruana, Vallejo acima de tudo é o atormentado cantor do homem ferido pela ferocidade do mundo contemporâneo.” Thiago de Mello

 

Sem comentários: