domingo, 11 de fevereiro de 2024

MEU GALOPE É EM FRENTE - Mário Dionísio

MEU GALOPE É EM FRENTE

 

Direis que não é poesia

e a mim que importa?

Eu canto porque a voz nasce e tem de libertar-se.

E grito porque respondo

às lanças que me espetam

e aos braços que me chamam,

E porque, dia e noite, minhas mãos e meus olhos,

por estranhas telegrafias,

dos cantos mais ignotos

e das linhas perdidas

e dos campos esquecidos

e dos lagos remotos,

e dos montes,

recebem longas mensagens e comunicações:

para que grite e cante.

O meu grito e meu canto é a voz de milhões.

Por isso que me importa?

Eu canto e cantarei o que tiver a cantar

e grito e gritarei o que tiver a gritar

e falo e falarei o que tiver a falar.

Direis que não é poesia.

E a mim que importa

se eu estou aqui apenas para escancarar a porta

e derrubar os muros?

E a mim que importa

se vós sois afinal o que hei-de ultrapassar

e esmigalhar

em nome

de todos os futuros?

Eu sigo e seguirei,

como um doido ou um anjo,

obstinado e heróico a caminho de nós

em palavras e acções

por todos os vendavais

e temporais

e multidões

nos cantos mais ignotos

e nas linhas perdidas

e nos campos esquecidos

e nos lagos remotos

e nos montes

- por terra, mar e ar.

Direis que não é poesia

E a mim que importa!

Convosco ou não, meu galope é em frente.

Pertenço a outra raça, a outro mundo, a outra gente.

É andar, é andar!

 

Mário Dionísio

 

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