sexta-feira, 18 de abril de 2025

"Da voz entre muralhas" - Carlos Maria de Araújo

 

"Da voz entre muralhas"

 

O osso descarnado

a água escassa

e estes ferros

nos pés

e estes ferros

 

Este rio de suor

a dor inteira

e esta noite

de granito

e esta noite

 

Este chicote

rasgando-nos a boca

mas nunca o grito

companheiro

até quando

companheiro

Carlos Maria de Araújo

Araújo, 1960 p.42-3

Carlos Maria de Araújo segundo Jorge de Sena
   [...]
   A sua obra muito breve é por certo das mais notáveis da poesia portuguesa que o desconhece ainda [...]; e pode considerar-se representada pelos dois livros que publicou pouco antes de morrer. Poesia extremamente despojada e densa, de uma intensa severidade formal e de vigorosa emoção contida numa expressão lapidar, é bem a de um oficiante das trevas, dessas trevas que tão terrivelmente cobrem a vida e o mundo. Nos seus ritmos curtos e sincopados, sob os quais todavia flui oculta uma simplicidade quase sentimental, esta poesia significa, como poucas das recentes, uma fulgurante definição do exílio português, no que ele tem de amargo e de frustrado, como no que, nele, resiste a tudo e mesmo ao medo que o verso tenha de sê-lo na boca do poeta, qual este disse num dos seus mais belos poemas.

 

Sem comentários: