quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Poema da Cartomante - Eduardo Alves da Costa

 

Poema da Cartomante

 

Estendo minha mão
e a velha me fala
de um futuro tão remoto
que chego quase a descrer da Bomba.
Ah, deliciosa visão,
promessas de vida longa,
um lar feliz
e até mesmo um nome
para ser honrado.
Lê, mulher; procura
em minha mão
a certeza que me falta.
Aprendeste a profissão
nos tempos de paz
e o futuro que me dás
é o dos meus avós.
Falas-me de um lar
e eu procuro concebê-lo
ao abrigo da guerra que virá
e que eu vejo crescer nas declarações de paz.
E contudo eu gostaria
de que tuas profecias se cumprissem;
que estas coisas não fossem para mim,
mas pudessem acontecer
ao homem simples,
a esse que vai para a fábrica, de manhã,
e não sabe do mundo
para além do próprio quintal.
Segues com o dedo
a linha da vida
e vês tão claro
que por um instante me aborreço
e penso em me levantar.
Mas não quero te ferir.
Afagas minha mão
num gesto maternal
e me devolves ao mundo,
na certeza de que estou mais forte.
Não, eu não te direi nenhuma destas coisas,
porque lá fora os teus netos brincam
e a tarde, vista de tua janela,
promete não ser a última,
não pode ser a última.
E porque teus olhos
me pedem que acredite.

Eduardo Alves da Costa.

In: COSTA, Eduardo Alves da. No caminho, com Maiakóvski. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. (Poesia brasileira). Poema integrante da série O Tocador de Atabaqu

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