sábado, 15 de junho de 2019

A Guerra - A. M. Pires Cabral


A Guerra

pai
escrevo esta de miragens exausto
de perpendiculares dias habitado
de sedes insolentes
perseguido
pai creio devagar
que as densas coisas minhas recordadas
estão longe e ficam cada vez
mais longe em tão rebelde tão pesada
tão árdua resignação

do peito pai
irrompe este mole desperdiçar
da respiração
estrangulada nesta farda (neste arame)
em que nos debatemos filhos tantos
de como tu
pai diverso repetido

pai
limpo a espingarda para um tiro mais puro
mais mortal
semeio ferro obrigado a acreditar
que é paz o que disperso
nos ventos e nas almas

caminho vestido pai de espesso mato
têxtil
a um lado e outro farejo instruído
sinais de presença contenciosa
dos que a terra possuem e não a querem dar

pai o sargento ralhou muito
ralhou tanto o intrépido sargento
pai diz à terra
que voltando a amarei de insensato
e fundo amor ferido

pai escreve
claro largo fresco breve
dá saudades à mãe sem lhe contar
recebe
um abraço deste teu
(guerreiro) filho

 (1974), Algures a Nordeste. Catálogo de Feios, Simples e Humildes. Macedo de Cavaleiros: Edição de Autor, pp. 40-41.


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