segunda-feira, 3 de junho de 2019

«Posto Móvel» - Paulo da Costa Domingos



«Posto Móvel»

Os operários da escolha desesperada
em magotes entram na cidade
pela via circular, de mala aviada
e trouxas feitas no desemprego e no abandono
de vales e serras. Pilares de húmus
homens do leme do antigo arado
atravessam o meu cérebro na errada
direcção, como um vento a rasgar.
Um pintor, que não de andaime, um poeta,
que não das letras, captam esse tornado
de desfeitos lares mas ainda não sabem
uma linguagem com que fixá-los:

na eventualidade de sobreviverem. Rápida
e fugidia é aqui a vida, como pólen levada
de pedra em pedra na esquina urbana,
que se espera árdua e deseja leve.
Os operários da escolha desesperada
em longas filas aguardam uma refeição
quente, a pensão de falsa invalidez, a metadona,
vestuário usado embebido no perfume

da usurura e no grito bipolar do tédio. Assobio,
apesar de tudo, na ausência de um propósito
deste meu governo e na falta de escrúpulo
e na exigência de voluntária servidão.
Um pintor, um poeta, também eles na eventual
sobrevivência, aposta já - derradeiro trunfo
de casino - seu fracasso, sua má sorte:
palavras, sinais, sílabas caídas em saco roto.

(…)

Paulo da Costa Domingos

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