terça-feira, 4 de junho de 2019

Fim - Mário de Sá-Carneiro


Fim

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza:
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro!...

 

Mário de Sá-Carneiro



1 comentário:

Fernando Ribeiro disse...

Foi certamente inspirado neste poema de Mário de Sá-Carneiro que o poeta e jornalista angolano Ernesto Lara Filho (1932–1977) escreveu o seguinte:

QUANDO EU MORRER

(para o Aniceto Vieira Dias e "Liceu" de "N'Gola Ritmos")

Quando eu morrer
eu quero que o N'Gola Ritmos
vá tocar no meu enterro.

Como Sidney Bechet
como Armstrong
eu gostarei de saber

que vocês
tocaram no meu enterro.

Lá no céu também há "angelitos negros"
e eu gostarei de saber
que vocês
me tocaram no enterro.

Se não puder ser
deixem lá
tocarão noutro lado qualquer
com lágrimas nos olhos
como naquela noite
em casa do Araújo
lembrarão o companheiro
das noites de Luanda
das noites de boémia
das tardes de moamba.

Ah! Quando eu morrer
já sabem
quero que o meu caixão
vá no maxibombo da linha do Cemitério
quero que toquem
a Cidralha
ou convidem a marcha dos Invejados.

É assim que eu quero ir
acompanhado da vossa alegria
bebedeiras seguindo o enterro
as velhas carpideiras de panos escuros
quero um kombaritókué dos antigos
que vai ser muito falado.

Não convidem mulatas
que sempre estragam tudo
Se vierem
não lhes vou rejeitar.
Cantem apenas
alguns dos meus poemas
até enrouquecer.

Ah! quando eu morrer
eu quero o N´Gola Ritmos
tocando no meu enterro.

Ernesto Lara Filho (1932–1977)


TENTATIVA DE GLOSSÁRIO

N'Gola Ritmos — conjunto musical angolano, liderado por Aniceto e "Liceu" Vieira Dias, que reabilitou e dignificou a música popular de Luanda

Moamba — prato típico da culinária angolana, habitualmente de galinha

Maxibombo — autocarro

Cidralha — nome de uma música tradicional do carnaval de Luanda

Marcha dos Invejados — nome de um grupo carnavalesco de Luanda

Kombaritókuè — (literalmente, "varrer as cinzas") tradição luandense que marca o fim do período de choro de um morto após o seu enterro, equivalente à missa do sétimo dia na tradição católica; funeral